28 outubro 2006

Six feet above


Cinco semanas depois da minha partida de Lisboa, passei finalmente a minha primeira noite tranquila numa casa onde deverei ficar durante os próximos meses. O meu espaço é uma pequena suite muito agradável numa mansão construída em 1903, linda, ocupada por um casal de geólogos, duas crianças, um gato e um cão. Um aquário vazio na cozinha evoca a memória de um defunto peixe dourado, mas nada se perde: comigo presente, já somos novamente sete, e a vida retoma o seu curso natural.
A casa fica num bairro de vivendas de classe média branca e negra: West Adams. Três blocos mais a Oeste, encontra-se a mansão da série “Six feet under”. Em direcção ao Norte, vêem-se os montes de Hollywood. Um bloco a Sul, corre o Santa Monica Freeway que leva à praia do mesmo nome, e um bloco a Leste, o Western Boulevard. Suponho que quem deu o nome a este último ainda vivia mais a Leste, talvez em Downtown, lugar esse onde jovens fellows da UCLA só raramente se aventuram (eu, até agora, nenhuma vez). Western Boulevard tem interesse apenas e tão só na medida em que reflecte perfeitamente “what this is all about”: uma artéria muito animada que, de Norte para Sul, vai descendo das encostas ricas e verdejantes de Hollywood para os desertos asfálticos e míseros de South L.A. Passando no entanto, e nisso está a sua principal beleza, pelo movimentado Wilshire Boulevard, a engraçada Korea Town, o ex-revoltado Jefferson Park (agora largamente pacífico e hispânico; foi aqui que passei as últimas semanas num anexo de uma pequena vivenda japonesa) – e a pacata West Adams.
Andando dez quilómetros em direcção ao mar, mais cinco em direcção às montanhas, encontra-se o campus da UCLA. Vasto, muito verde, polvilhado de elegantes edifícios ocres que irradiam riqueza e requinte (uma foto do meu instituto foi colocada no blog belo Bernardo da Bernarda). Um território à parte, um pequeno mundo da fantasia criado nos anos 20, sensivelmente pela mesma altura em que surgiram os estúdios de cinema. Um dia destes explico melhor. Entre o campus e a minha casa, estendem-se quinze quilómetros de cidade, uma parte ínfima da conglomeração que dá pelo nome de Greater L.A.
Eu por agora fico-me por esta área. A viagem entre casa e campus demora sensivelmente uma hora, tempo suficiente para encher os olhos de coisas novas e nunca dantes vistas: milhares de fastfoods de todas as cores e feitios, multibancos drive-through, peitos de silicone e, geralmente falando, toda uma gama de infraestruturas bizarras que não fariam sentido noutra cidade. Muita matéria para futuros mails. Eu, por mim, ainda uso os transportes públicos, combinando o serviço Metroline com uma bicicleta comprada no “Bike Doctor” da vizinhança por 75 dólares. Dizem-me que é suicídio, mas a verdade é que não há nada como sair do campus nestas noites quente de fim de verão, com o ar cheio de perfumes estranhos, para descer as avenidas vazias deslizando sem esforço até encontrar um autocarro com “pick-up” de bicicletas, chegando a casa ao mesmo tempo que as primeiras lufadas de maresia preparam a cidade para retomar o seu ritmo na manhã seguinte. E quando digo manhã seguinte, é a parte mais cruel desta cidade está em questão. O pessoal cá começa o seu dia entre as quatro e as seis ANTE meridiem. Não há duvida: it’s a crazy New World, e mais uma razão para ter montes de saudades.

4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Nada mal. Até já tem ali à mão as abóboras para o Halloween.

best

BB

28 outubro, 2006 23:48  
Blogger Mafarrico disse...

Quando viste a suite disseste aos geólogos "I'm like totally psyched for this suite, dudes!"?

29 outubro, 2006 22:00  
Blogger Mafarrico disse...

Esqueci-me do "Cya dude" (um contraponto ao best so british do BB).

29 outubro, 2006 22:04  
Blogger Radagast disse...

Sendo que há gente por estas bandas que começa o dia ao meio-dia, para muitos o dia de trabalho começa ao mesmo tempo em LA e em LX. Qual jet-lag qual quê.

01 novembro, 2006 11:29  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial