25 maio 2007

Death Valley


Há duas semanas, o Dude pôs-se na estrada com o seu Ford decrépito e, à falta de companhia mais sexy, com os seus pais. Primeira estação: Death Valley. Com um calor absurdo, obviamente. Depois de Maio, dizem as más línguas, já ninguém vai para a DV, excepto os alemães. Mas ainda estávamos em Maio, claro. Que maricas.
Se algo restava do meu cérebro, ficou feito torrão naquele primeiro dia de caminhadas pelas profundezas do vale - bem abaixo do nível do mar, perto do ponto onde, supostamente, se registam as mais elevadas temperaturas da terra (curiosamente, disseram-me o mesmo no Irão, sobre a caldeira de Lut). Ficou no entanto, gravada na memória como em pedra, a recordação do mais silencioso cair da noite jamais visto, numa planície vasta e desolada, feita inteiramente de cristais de sal. E o sabor estranho de uma frescura infinitamente seca que se tenta beber, sem sucesso, nos picos circundantes, o mais alto dos quais oferece uma vista digna do inferno de Dante.
O Ford, coitado, parecia um mamute moribundo a subir aquelas encostas, uivando em primeira e cuspindo óleo para todos os lados. Mas lá conseguiu, e nós saímos do Vale da Morte vivos, ainda que tontos. Pensar que do outro lado do planeta existe uma cidade chamada Roma, e que no mar, bem além das montanhas californianas, vivem criaturas gelatinosas com tentáculos, que coisa mais absurda. Perguntámos uma data de vezes pelo resultado das eleições em França, e a resposta mais completa que obtivemos foi: "France? I've heard about that place. They fry potatoes, don't they?"

5 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Man, grande experiência. Para celebrares o regresso à civilização bem podias ver o Zabriskie Point do Antonioni.

BB

25 maio, 2007 17:39  
Anonymous Anónimo disse...

A fita que eu aconselho é o Detour (1945), de Edgar Ulmer, o melhor filme série B de todos os tempos. Trata das coisas terríveis que acontecem a inconscientes como o Dude, que se põem a viajar de carro pela América profunda sem saberem os perigos de morte que ela esconde. Inaugurou o género do chamado roadmovie de terror, cujos expoentes mais conhecidos são Psycho (1960, sobre os psicopatas que nos esperam nos motéis das estradas secundárias), Duel (1971, sobre camionistas assassinos), Texas Chainsaw Massacre (1974, sobre hillbillies texanos canibais!!!) e The Hitcher (1986, sobre o perigo de dar boleia a serial killers em estradas desoladas). E, claro, há Deliverance (1972) e The Blair Witch Project (1999), sobre os perigos de ir fazer canoagem e campismo para o cu de Judas na América rural. Como vi todos estes filmes (e muitos mais), sei que, se o Dude sobreviveu ao terrores do interior americano, foi por milagre e imerecida sorte. E ele também o saberia, se tivesse uma cultura cinéfila menos refinada, e tivesse passado mais tempo em videoclubes chungas como eu, em vez de perder tempo na Cinemateca a ver Godard.

AM

25 maio, 2007 20:17  
Blogger Radagast disse...

Epá, tinhas algum desconto no Espargal do Batti? Nunca te vi por lá

O Deliverance é catita. Sempre gostei de filmes que contam as bonitas tradições de comunidades não contaminadas pela decadência da civilização urbana.

25 maio, 2007 21:41  
Anonymous Anónimo disse...

Já agora, para aqueles que se julgam falsamente em segurança a viajar na velha Europa, recomendo Spoorloos (1988, o melhor filme holandês de sempre, sobre as desventuras arrepiantes de um casal neerlandês nas estradas da França) e o recente Calvaire (2003, sobre um infeliz cujo carro se avaria numa aterradora aldeia belga). E aconselho quem queira ir conhecer o outback australiano a ver primeiro Wolf Creek (2005, sobre uma versão maligna do Crocodile Dundee que massacra os inocentes que visitam os Death Valleys lá do sítio). Por alguma razão eu, quando saio de Lisboa, não vou além da Praia Grande.

AM

26 maio, 2007 04:56  
Blogger Dr Dude disse...

Fico embasbacado perante tanta erudição. Mas os argumentos em prol da Praia Grande não me convencem. Na estrada de Almoçageme, espíritos mal mortos ainda assaltam certos socialistas desprevenidos. E a ideia de ir passear à beira da falésia em noites de bruma e vento não me parece muito mais tranquilizadora do que aquela de ir dar uma volta a South Central. Mais, com o AM por perto (e a preparar-se para a despedida de solteiro), tudo se potencia ainda. É caso para dizer: salve-se quem puder.

27 maio, 2007 07:14  

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