As equivalências sugeridas entre touradas e espectáculos de arremesso de seres humanos ou, o que é pior, autos-da-fé, parecem-me despropositadas, to say the least. São argumentos impetuosos, emotivos - o tema é propício a exageros, bem sei - mas ainda assim não os considero válidos.
Sim e não. Por um lado, os anões "de arremesso", como seres humanos, valem evidentemente mais que os touros; mas, por outro, não são sangrados até à morte; e, ponto importante, estão lá de livre vontade - pode-se achar a coisa degradante, mas, em princípio, como no boxe, não se pode interferir. Um touro, pelo contrário, não é uma vítima voluntária. É um ser vivo que, obviamente contra a sua vontade, se tortura e mata ao vivo para entretenimento. Não se tortura e mata por uma razão "forte" (como quando se mata animais para comer, ou se "tortura" animais para testes médicos), ou sequer por uma razão "fraca" (como quando se "tortura" animais para testar perfumes). Tortura-se e mata-se para ver torturar e matar. O sofrimento dos touros nas touradas pode ser uma gota de água na história dos maus tratos infligidos diariamente pelos homens aos animais - mas é o facto de se fazer desse sofrimento um fim em si mesmo e um espectáculo que choca tanta gente. Gente, claro, oriunda das sociedades ocidentais urbanas e condicionada pelos valores hoje predominantes nelas em relação ao tratamento de animais, que não são os mesmos das sociedades rurais que inventaram as touradas. Mas que também não são uma moda recente "politicamente correcta", como às vezes gosta de se dizer. A má fama das touradas, por exemplo, remonta pelo menos ao séc. XVIII, quando eram vistas na Europa do Norte como prova do obscurantismo ibérico, razão pela qual, no séc. XIX, os liberais portugueses tentaram sem sucesso bani-las. E as lutas de cães, de que já falei, foram proibidas na Grã-Bretanha logo no séc. XIX. Como o Sir H. decerto concordará, o liberalismo britânico sempre foi mais consequente que o português...
Devo acrescentar, caro anónimo, que também em Portugal, desde o Séc. XIX, se tentou por termo à tourada por ser considerada uma actividade pouco civilizada. É verdade que a contestação à festa brava não é recente, mas é muito fomentada, actualmente, pela correcção política e pela relativização de valores que, no limite, estabelece uma equivalência entre a vida humana e a do animal. É esta confusão ética que produz, na liberal Inglaterra - que muito prezo -o radicalismo de alguns movimentos de defesa dos direitos dos animais, responsáveis por campanhas de terror contra várias pessoas cujo único "pecado" consiste em trabalhar em experiências com animais, experiências que, como o caro AM concede, são uma razão "forte" para justificar a inflicção de dor às cobaias. Voltando às touradas, já reconheci neste blog, em resposta a um post do Radagast, que não é facilmente justificável, sobretudo numa sociedade que, inclusivamente, entendeu reconhecer direitos aos animais ( o que me parece juridicamente duvidoso ), o uso da violência sobre os touros. Porém, a tourada é uma tradição com sólidas raízes na Península Ibérica. Não sou insensível aos argumentos dos que defendem a proibição das touradas, mas porque considero o espectáculo taurino um bem cultural, entendo - talvez por ser um empedernido tradicionalista - que deve ser mantido. Para mim, a preservação desta tradição é uma razão "forte". Agradeço o seu post, caro AM.
7 Comentários:
Óptimo. As lutas de cães e o arremesso de anões vêm a seguir.
AM
As lutas de cães há para aí aos molhos, para regozijo de SH. Só é uma pena estarem pelas Marianas e Cova da Moura.
E há sempre a esperança do regresso dos autos-da-fé.
Fico-me só pelas touradas, obrigado.
Sir H.
Certas «anglo-saxonidades» são muito selectivas.
As equivalências sugeridas entre touradas e espectáculos de arremesso de seres humanos ou, o que é pior, autos-da-fé, parecem-me despropositadas, to say the least. São argumentos impetuosos, emotivos - o tema é propício a exageros, bem sei - mas ainda assim não os considero válidos.
Sir H.
Sim e não. Por um lado, os anões "de arremesso", como seres humanos, valem evidentemente mais que os touros; mas, por outro, não são sangrados até à morte; e, ponto importante, estão lá de livre vontade - pode-se achar a coisa degradante, mas, em princípio, como no boxe, não se pode interferir. Um touro, pelo contrário, não é uma vítima voluntária. É um ser vivo que, obviamente contra a sua vontade, se tortura e mata ao vivo para entretenimento. Não se tortura e mata por uma razão "forte" (como quando se mata animais para comer, ou se "tortura" animais para testes médicos), ou sequer por uma razão "fraca" (como quando se "tortura" animais para testar perfumes). Tortura-se e mata-se para ver torturar e matar. O sofrimento dos touros nas touradas pode ser uma gota de água na história dos maus tratos infligidos diariamente pelos homens aos animais - mas é o facto de se fazer desse sofrimento um fim em si mesmo e um espectáculo que choca tanta gente. Gente, claro, oriunda das sociedades ocidentais urbanas e condicionada pelos valores hoje predominantes nelas em relação ao tratamento de animais, que não são os mesmos das sociedades rurais que inventaram as touradas. Mas que também não são uma moda recente "politicamente correcta", como às vezes gosta de se dizer. A má fama das touradas, por exemplo, remonta pelo menos ao séc. XVIII, quando eram vistas na Europa do Norte como prova do obscurantismo ibérico, razão pela qual, no séc. XIX, os liberais portugueses tentaram sem sucesso bani-las. E as lutas de cães, de que já falei, foram proibidas na Grã-Bretanha logo no séc. XIX. Como o Sir H. decerto concordará, o liberalismo britânico sempre foi mais consequente que o português...
Abraço,
AM
Devo acrescentar, caro anónimo, que também em Portugal, desde o Séc. XIX, se tentou por termo à tourada por ser considerada uma actividade pouco civilizada. É verdade que a contestação à festa brava não é recente, mas é muito fomentada, actualmente, pela correcção política e pela relativização de valores que, no limite, estabelece uma equivalência entre a vida humana e a do animal.
É esta confusão ética que produz, na liberal Inglaterra - que muito prezo -o radicalismo de alguns movimentos de defesa dos direitos dos animais, responsáveis por campanhas de terror contra várias pessoas cujo único "pecado" consiste em trabalhar em experiências com animais, experiências que, como o caro AM concede, são uma razão "forte" para justificar a inflicção de dor às cobaias.
Voltando às touradas, já reconheci neste blog, em resposta a um post do Radagast, que não é facilmente justificável, sobretudo numa sociedade que, inclusivamente, entendeu reconhecer direitos aos animais ( o que me parece juridicamente duvidoso ), o uso da violência sobre os touros. Porém, a tourada é uma tradição com sólidas raízes na Península Ibérica. Não sou insensível aos argumentos dos que defendem a proibição das touradas, mas porque considero o espectáculo taurino um bem cultural, entendo - talvez por ser um empedernido tradicionalista - que deve ser mantido. Para mim, a preservação desta tradição é uma razão "forte".
Agradeço o seu post, caro AM.
Sir H.
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