23 novembro 2011

No país das ideologias

Acho injusto que se diga que este é um governo pragmático, sem ideologia, numa época que está para lá das ideologias, fértil em tecnocracias neutras.

Desde logo, a tecnocracia não é neutra. É fruto de uma visão contabilística da vida, que entende o dinheiro como o meio e o fim. A tecnocracia é um verdadeiro fim da história, que agora deveria mudar para "gestão alimentar e de economato visando a poupança na comida das pessoas e borrachas das empresas, para os que tenham muito tenham tudo", este é o novo nome oficial da história.

Há que fazer justiça a este governo.
Um governo que corta nos subsídios dos empregados por conta de outrem mas não nos rendimentos do capital;
que corta na cultura cegamente visando fomentar um país de pacóvios, um terreno que fertiliza com os cortes na educação (pois gentes não educadas têm menos expectativas);
que toma decisões contra o ambiente típicas da década de 80;
que corta nos transportes públicos para que as pessoas andem de carro (?) ou a pé (um reeditar do "não têm pão comam brioches"),
entre outras que mais, é um poder ideológico, de direita liberal quase selvagem, mas ideológico.
Que o Deus deles nos proteja.

21 novembro 2011

FMI, já não vivemos sem ti


Conforme alguns já ouviram, a Hungria vai pedir ajuda ao FMI. Vou explicar rapidamente: a Hungria já pediu dinheiro ao fundo monetário em 2008 (para não falar nos anos 70), e tudo se passou sem quaisquer problemas. Havia um governo socialista (!) em coligação com uns liberais apostados em reforçar os laços da Hungria com as instituições do capitalismo que, afinal de contas, os húngaros escolheram em 1989 para sair do sistema anterior. Os socialistas de 2008 eram reconhecidos internacionalmente como corruptos e a precisar de uma mudança geracional, mas relativamente eficientes na gestão da economia e das relações internacionais do país. A Hungria é pequenina e vive em depressão constante como Portugal, mas também vive no meio do continente, rodeada de sete países que lhe comeram (com alguma razão) dois terços do território e um terço da população magiar há menos de um século. Não dá para sonhar com o Brasil, é preciso ter os pés assentes na terra.
O novo governo de direita, que os húngaros votaram com maioria absoluta e que procedeu imediatamente a uma revisão constitucional (a Hungria deixou de chamar-se República da Hungria e passou a ter as leis mais lesivas do continente no campo da liberdade de imprensa), faz questão em afrontar todo o mundo num gesto que publicita como sendo uma "luta de libertação nacional". A palavra é a mesma que usavam no século XVIII quando levavam no traseiro sob os austríacos. Agora, para além de estragar as relações com os vizinhos, insistem em fazer passar uma mensagem de resistência contra tudo e todos: o FMI, os EUA, a Rússia, a UE, os bancos, as bolsas, tudo. Ora aí está uma bela ironia. Basicamente, tudo o que eles detestam é detestável, mas pela forma como o fazem (chauvinistas, antisemitas, agressivos até mais não) deixam logo de ter qualquer legitimidade. E de resto, não é totalmente desmedido pensar que tudo não passa de um grande bluff para criar na Hungria maiores desigualdades do que aquelas que já existem. Uma das primeiras medidas destes declarados anti-capitalistas foi nivelarem o IRS numa chave única que não ajuda os pobres, mas baixa os impostos do mais ricos.
O mundo anda complicado. Gostamos do FMI? Não. Gostamos do governo húngaro que andou durante mais de um ano a afrontar gratuitamente o FMI e a incitar os húngaros a serem ainda mais chauvinistas do que já são? Também não. E agora, que estes lunáticos resolvem voltar às negociações (sob a ameaça de mais uma desclassificação pelos arrogantes da Standard and Poors), vamos gostar de quê, e detestar o quê?