Com muita tranquilidade.
31 outubro 2006
Desânimo
Só se fala da desgraça em que está Portugal. Há uma sensação de abismo inevitável que atemoriza. Não andará o desânimo a alimentar-se de si mesmo? Ou será que, como os comentários indicam, já chegámos ao nível da Serra Leoa?
Sei que os quatro meses que passei em Portugal no final do ano passado me fizeram sentir na pele as dificuldades. Não são só fogo-de-vista. O contraste com Inglaterra é, na verdade, notório mas, ainda assim, teimo em acreditar que é possível fazer uma vida razoável em Portugal.
Possivelmente é só um “wishful thinking” que se vai desvanecer quando regressar de vez a Portugal. Se regressar.
Mea Culpa: ou a Revolução começa aqui.
Este ano apanhei o avião 18 vezes (incluindo idas e voltas). Dessas 18 vezes, 12 foram com companhias de aviação low-cost.
Segundo os meus cálculos, 4 desses trajectos teriam facilmente sido feitos de combóio (Paris-Veneza); e outros 4 com um bocadinho de vontade também (tanto Paris-Lisboa como Paris-Dublin são comboiáveis). Os restantes 3 vôos em companhias low-cost cobriram trajectos mais longos, às vezes de mais de 2000 kilómetros (no admirável mundo novo tudo é diferente, sobretudo as distâncias).
Alguns dirão que estou maluquinha, mas eu acho que não. Os vôos low-cost - nomeadamente os de curta-distância, como os dentro da Europa - são um presente envenenado, devido ao aumento exponencial de tráfego aéreo que implicam. E, quem diz aumento do trágefo aéreo, diz aumento das emissões de CO2 (tanto no solo como na atmosfera).
Por isso decidi que - sempre que possível e dentro da medida do razoável - vou evitar os vôos low cost (e obviamente os high cost) dentro da Europa.
Vão-me dizer que sou uma gota no oceano; ou pior, que quero limitar a nossa capacidade de viajar e regressar aos velhos dias do Grand Tour em que só os mais abonados saíam de casa. Não é verdade. A minha cruzada não é contra as low-cost, mas contra um modo de vida egoísta e mesquinho que espera sempre que as (tão desejadas) mudanças lhe sejam impostas por outrém. E o que eu quero não é viajar menos, é viajar de forma diferente. Mesmo que isso implique perder (ou ganhar?) mais tempo e pagar um preço que, no final das contas, não é de todo injusto.
29 outubro 2006
Meeting Francesco.
Esta semana estive em Assis. Não sendo eu moça devota, nutro alguma simpatia pelo São Francisco (por razões puramente provincianas também gosto do Santo António). Gosto dele por causa do Irmão Sol e da Irmã Lua, porque falava com os lobos e porque pregou aos pássaros. Justamente: os pássaros. Muito mais entusiasmante do que ver os frescos do Giotto pela primeira vez foi descobrir que num erimitério não muito longe de Assis se encontrava A árvore onde ele pregou aos pássaros. A árvore: THE tree! Animada com a ideia de ver UMA árvore, movida por um inusitado sentimento para-peregrínico, convenci o meu companheiro de viagem a conduzir-me montanha acima! A árvore ali tão perto!
Caía o dia, a luz era perfeita, assim como que em tons de milagre sobre magnífico bosque outonal e ali estava A árvore. A árvore - THE tree - é uma oliveira raquítica sustentada por uma viga. E eu sem querer acreditar. A repetir que não podia ser, que não era certamente A árvore onde São Francisco pregou aos pássaros. "Porquê?" - perguntou o meu companheiro de viagem. E eu, sem hesitar: "Porque no filme do Rossellini A árvore não é assim".
Foi preciso ir ao eremitério de Assis para ter uma revelação: a minha devoção existe, e é de celulóide.
Roberto Rossellini, Francesco, Giulliare di Dio, Itália, 1950.
Mistério resolvido: era uma Trufa!
Uma trufa!!! Que trouxémos de Acqualagna, auto-proclamada capital da trufa, não muito longe de Urbino e que cozinhámos dois dias depois.
Se a trufa ficar uma noite dentro de um tupperware, os ovos apanham-lhe o gosto e a omelete fica melhor. Lava-se cuidadosamente a trufa com uma escova debaixo de água corrente e depois é só fazer uma omelete normal.
Uma trufa!!!
28 outubro 2006
Six feet above
Cinco semanas depois da minha partida de Lisboa, passei finalmente a minha primeira noite tranquila numa casa onde deverei ficar durante os próximos meses. O meu espaço é uma pequena suite muito agradável numa mansão construída em 1903, linda, ocupada por um casal de geólogos, duas crianças, um gato e um cão. Um aquário vazio na cozinha evoca a memória de um defunto peixe dourado, mas nada se perde: comigo presente, já somos novamente sete, e a vida retoma o seu curso natural.
A casa fica num bairro de vivendas de classe média branca e negra: West Adams. Três blocos mais a Oeste, encontra-se a mansão da série “Six feet under”. Em direcção ao Norte, vêem-se os montes de Hollywood. Um bloco a Sul, corre o Santa Monica Freeway que leva à praia do mesmo nome, e um bloco a Leste, o Western Boulevard. Suponho que quem deu o nome a este último ainda vivia mais a Leste, talvez em Downtown, lugar esse onde jovens fellows da UCLA só raramente se aventuram (eu, até agora, nenhuma vez). Western Boulevard tem interesse apenas e tão só na medida em que reflecte perfeitamente “what this is all about”: uma artéria muito animada que, de Norte para Sul, vai descendo das encostas ricas e verdejantes de Hollywood para os desertos asfálticos e míseros de South L.A. Passando no entanto, e nisso está a sua principal beleza, pelo movimentado Wilshire Boulevard, a engraçada Korea Town, o ex-revoltado Jefferson Park (agora largamente pacífico e hispânico; foi aqui que passei as últimas semanas num anexo de uma pequena vivenda japonesa) – e a pacata West Adams.
Andando dez quilómetros em direcção ao mar, mais cinco em direcção às montanhas, encontra-se o campus da UCLA. Vasto, muito verde, polvilhado de elegantes edifícios ocres que irradiam riqueza e requinte (uma foto do meu instituto foi colocada no blog belo Bernardo da Bernarda). Um território à parte, um pequeno mundo da fantasia criado nos anos 20, sensivelmente pela mesma altura em que surgiram os estúdios de cinema. Um dia destes explico melhor. Entre o campus e a minha casa, estendem-se quinze quilómetros de cidade, uma parte ínfima da conglomeração que dá pelo nome de Greater L.A.
Eu por agora fico-me por esta área. A viagem entre casa e campus demora sensivelmente uma hora, tempo suficiente para encher os olhos de coisas novas e nunca dantes vistas: milhares de fastfoods de todas as cores e feitios, multibancos drive-through, peitos de silicone e, geralmente falando, toda uma gama de infraestruturas bizarras que não fariam sentido noutra cidade. Muita matéria para futuros mails. Eu, por mim, ainda uso os transportes públicos, combinando o serviço Metroline com uma bicicleta comprada no “Bike Doctor” da vizinhança por 75 dólares. Dizem-me que é suicídio, mas a verdade é que não há nada como sair do campus nestas noites quente de fim de verão, com o ar cheio de perfumes estranhos, para descer as avenidas vazias deslizando sem esforço até encontrar um autocarro com “pick-up” de bicicletas, chegando a casa ao mesmo tempo que as primeiras lufadas de maresia preparam a cidade para retomar o seu ritmo na manhã seguinte. E quando digo manhã seguinte, é a parte mais cruel desta cidade está em questão. O pessoal cá começa o seu dia entre as quatro e as seis ANTE meridiem. Não há duvida: it’s a crazy New World, e mais uma razão para ter montes de saudades.
27 outubro 2006
Ainda sobre os piores portugueses e de quem é a culpa
O pior português de sempre.
26 outubro 2006
Como estarão os que regressam vindos de Lisboa?
Angelique Chrisafis in Paris
Wednesday October 25, 2006
The Guardian
Japanese tourists feel so let down by
Bernard Delage of Jeunes Japon, an association that helps Japanese families settle in France, said: "In Japanese shops, the customer is king, whereas here assistants hardly look at them ... People using public transport all look stern, and handbag snatchers increase the ill-feeling."
25 outubro 2006
Fatwa?
Não sei porquê mas sempre que oiço esta música lembro-me d' O Estrangeiro.
Killing an Arab.
24 outubro 2006
23 outubro 2006
21 outubro 2006
20 outubro 2006
O vinho da nódoa
No primeiro site esclarecem-me:
As nódoas de vinho dissolvem-se com leite antes de lavar a roupa, depois enxaguar com água e um pouco de amoníaco.
Embeber durante 1 hora em água FRIA. Lavar com Bold em pó normal.
Ora este conselho vai já um pouco tarde:
Para retirar uma nódoa de vinho tinto, logo de seguida esfregue com sumo de limão e depois lave normalmente.
Ainda vou a tempo para esta:
Esfregue com uma esponja embebecida em vinagre puro, nunca deixando passar mais de 24 horas.
Isto parece um pouco fácil de mais…mas igualmente tardio:
Vinho - aplicar imediatamente um papel absorvente, enxaguar e lavar normalmente.
E não a encontrei a do lavar com vinho branco (pelo menos em tapetes resulta, asseguro-vos).
Ora bolas, isto para um tipo como eu, que vê na ditadura uma solução natural para que escolham por mim, desgraça a minha fé no omnisciente google.
Que se lixe! Vou telefonar à minha avó.
Plim.
Sublime. Há anos que me acompanha. Minutos 43 a 48. Piano, clarinete e xilofones. Plim (minuto 44). Plim. Plim. Plim.Plim. Plim. Plim-plim. Como se fossem gotas de água. As mesmas gotas de água que brincavam, risonhas, no minuto 9, e que rodopiavam como derviches no minuto 28. Agora são mais sérias. Pesadas. Final do minuto 45. Pulsação. Os dedos caem no piano como gotas apressadas. Cansadas. Final do minuto 46. Pulsação. As gotas esgotam-se. Pulsação. E depois no minuto 48 tudo acorda novamente.
Estupendo. Plim. Plim.Plim.
19 outubro 2006
Tesoro.
Tézzzzzzóro, com um "s" lânguido e arrastado transformado em "z". Para que as coisas mais banais soem aos meus ouvidos de estrangeira como uma declaração de amor daquelas que só se fazem uma vez na vida.
Devo estar a ver mal
Luciano Amaral hoje no DN
18 outubro 2006
Looking for Filippo.
Atenção, este filme não é mudo! E o senhor no cartaz não é o Filippo de quem falo...
O Filippo de quem falo terá, talvez, inspirado este filme, controlado de perto por um dos filhos de Mussolini (Vittorio, grande cinéfilo). O Filippo de quem falo era fotógrafo e ardente patriota defensor do regime. Conclusão: ninguém se lembra dele. Sabe-se que durante a I Guerra Mundial combateu como voluntário no batalhão de "bersaglieri" ciclistas (pertencentes à infantaria), que perdeu metade dum braço em 1917 e que mesmo assim regressou à frente de batalha com o Corpo Voluntário de Mutilados (que fundou). Depois, no final dos anos vinte, começo dos anos trinta, começou a tirar fotografias pendurado dum avião. Foram estas que me chamaram a atenção. São absolutamente excepcionais. Em 1935 alistou-se como voluntário e partiu para a guerra da Etiópia, onde foi integrado no serviço de reconhecimento aéreo. Teve um acidente durante uma aterragem e teve de regressar a Roma em 1937. A partir de então dedicou-se ao jornalismo e ao cinema. Parece que rodou alguns documentários sobre Florença. Antes de morrer em Roma, em 1969.
Ninguém sabe dele, nem das fotografias dele. Não saio daqui sem o(s) encontrar.
Vidas paralelas.
A pessoa que me alugou o quarto vai passar três meses em Madagáscar a estudar o comportamento dos lémures. É bióloga: primatologista (os lémures são primatas) e etiologista (especializada nos jogos entre os animais).
Passo horas a ouvi-la falar de primatas e a ver fotografias de macacos (este ano ano já esteve em África a observar gorilas). A bióloga frustada que sou passa horas a pensar que também ela devia estar algures a observar papagaios ou a contar cavalos-marinhos. A estudar o processo neurológico da memória nas sanguessugas. Em vez de passar uma semana a ver filmes mudos e a desencantar livros poeirentos que só foram escritos para serem esquecidos.
Vim a Pisa avistar ao longe uma outra Clara d'Ovo.
Encouraging the young
So I will stand cheering generally, like a blind person at a football game, noise is what is required, waves of it, invigorating yelps to inspire them to greater efforts, and who cares on what side and to what ends?
I won’t fatten them in cages, though. I won’t ply them with poisoned fruit items. I won’t change them into clockwork images or talking shadows. I won’t drain out their life’s blood. They can do all those things for themselves.
Margaret Atwood, The Tent
17 outubro 2006
15 outubro 2006
13 outubro 2006
12 outubro 2006
Gabarolice...
Aposto que sou a única pessoa que conhecem que viu um filme da Abelha Maia datado de... 1926!
DIE BIENE MAJA UND IHRE ABENTEUER (Maya the Bee / [The] Adventures of Maya) (Kultur-Film AG, Berlin, DE 1926)
Dir:Wolfram Junghans [with the special participation of Waldemar Bonsels]; prod., scen: Curt Thomalla, based on the children’s book by Waldemar Bonsels (1912); f./ph: A.O. Weitzenberg;
Cast: bees, rabbits, hedgehogs, grasshoppers, an owl, a blackbird, a tulip, a dragonfly, a rose, a rose beetle, ants, a blowfly, a frog, a rhinoceros beetle, a dung beetle, a dor [= a type of beetle], an earthworm, a spider, a butterfly, a bug, elves, hornets, a glowworm; premiere: 8.4.1926, Capitol, Berlin; lg. or./orig. l: 1944 m.; 35mm, 1754 m., 76’ (20 fps), tinted, Suomen elokuva-arkisto, Helsinki.
Restored by the Bundesarchiv Filmarchiv, Berlin, in 2004, supported by the Waldemar Bonsels-Stiftung, based on the bilingual (Finnish and Swedish) tinted nitrate print at Suomen elokuva-arkisto. German intertitles reconstructed from the censorship cards.
German intertitles.
Na verdade, foi uma desilusão: é com abelhas de verdade e não com desenhos animados. Mas ainda assim, caramba: a Abelha Maia é a Abelha Maia!
10 outubro 2006
07 outubro 2006
06 outubro 2006
05 outubro 2006
And where can I find it ?
«I came to understand that in each moment lies the chance to change everything, if we can only see it in time — But that seeing in time: what skill is that?»
04 outubro 2006
Mau-olhado ou Somatização II
O que é giro é que se estivesse em França me estavam a pedir para falar da minha infância e da minha relação com o meu pai...
Mau-olhado ou somatização?
O problema é que desde há uns meses para cá tudo me acontece: infecções urinárias, tendões deslocados, gastro-enterites, aftas gigantes, micoses, lombalgias traumáticas, alergias a picadas de insecto, etc. Neste momento sofro de três destas maleitas em simultâneo (quem adivinhar quais ganha um magnifíco jantar à beira do Arno).
Como o acaso não existe, a minha questão é: mau-olhado ou somatização? Vou à bruxa ou ao psicanalista?
Aceitam-se sugestões.
03 outubro 2006
The Lakes - Eating nuclear fries # a walk by the lakeside
O álbum do momento. Depois do seminal single de estreia Wordsworth and fever o trio britânico The Lakes lança o álbum Eating nuclear fries # a walk by the lakeside onde reinventam, numa sonoridade atmosférica e sufocante, uma nova síntese da música folk e electrónica depressiva progressiva. O trabalho notável de samples do teclista, que cria uma micro textura sonora espessa, bem como a sofisticada manipulação de cítaras e diversos instrumentos de cordas por parte do guitarrista são a base para a vocalista desenvolver qualidades canoras simultaneamente horizontais e angustiantes. As fotos são retiradas do álbum e evocam os temas do trabalho: os perigos da natureza e a natureza em perigo. Como curiosidade registe-se a dedicatória: "To our supervisors".
The Lakes foram aos Lakes
Passear pelas margens do Windermere, atravessar de barco o Ullswatter ou ser molhado pela Aira Force não são experiências reais, nunca serão, são momentos fora da vida mesmo que não deixem de ser nossas.
A realidade virtual é um bluff.
The Lakes foram aos Lakes (as fotos)
02 outubro 2006
Domingo na Toscana II - fait divers?
Esta semana fico num apartamento onde habita um número indeterminado de pessoas: o meu salvador (o italiano que em vez de me carregar as malas passou o dia comigo no hospital, na farmácia e nas injecções); um romeno em situação ilegal; e várias albanesas em situação (presumivelmente) muitíssimo ilegal. São as albanesas que não conseguimos contar. Quando eu cheguei ontem de manhã eram duas; quando voltei das injecções já eram três. Quando chegaram a semana passada eram só uma. Falam pouco e nunca saem do quarto. Não têm mais de vinte anos e usam as três umas camisas de noite que parecem as da minha avó (i.e. de flanela, até aos pés e com umas florzinhas).
Domingo na Toscana I
O meu primeiro Domingo na Toscana foi passado no Hospital de Pisa a gemer com dores e a pensar que ia ficar paralítica.
Diagnóstico: lombalgia traumática.
Tratamento: duas sessões diárias de injecções durante cinco dias.
Conclusão: quando um italiano se oferece para carregar as vossas malas, aceitem, e deixem-se de tretas.